Perdoe-me por não te amar…

Vi tudo desarrumado na minha ausência na sua vida. Não sei se era encenação sua, se era eu quem puxava a corda para a organização na nossa vida ou se eu desmoronei seu mundo. Essa última possibilidade me traz um pouco de culpa, eu confesso. Nós fomos felizes, não é verdade? E quando eu decidi partir, acreditei estar fazendo o melhor para nós. Não queria te ver desabar ou perder as forças. Perdoe-me por isso.

Eu sei… Você vai dizer que eu não tenho direito de decidir o que é melhor para você. Tem razão, eu não tenho mesmo. Mas tenho o dever de decidir o que é melhor pra mim e foi com muito sofrimento que olhei para nós dois enxergando o fim. Minha felicidade havia acabado.

Não importa de quem seja a culpa. Honestamente, eu sempre achei que o fim de um relacionamento é culpa dos dois, em 99% das vezes. Mas fui eu quem decidiu partir (fisicamente) dessa relação, porque já havíamos partido da vida um do outro há muito tempo, você sabe disso.

Eu não fui capaz de amar você, da maneira como você é. Quando começamos essa jornada, eu idealizei uma relação que talvez tenha existido por algum tempo. Foi com orgulho que assisti as pessoas elogiando o casal que figurávamos, a família que construímos, os filhos lindos que tivemos. Tudo era perfeito. Mas havia um vazio em mim difícil de preencher… E todos os dias eu te cobrava por isso. Seria justo com você continuar assim?

É… Eu não posso decidir o que é melhor para você. Mas posso escolher não ser o mal na sua vida. Por isso eu parti. Não tinha mais em mim o amor que você talvez precise. Perdoe-me por não te amar mais.

Eu ponderei tomar essa decisão. Eu pensei em você, em nós, em nossos filhos, nos nossos pais, nossos “amigos”… Por incontáveis vezes eu me olhei no espelho demoradamente e com os olhos cheios de lágrimas eu perguntei para meu reflexo: Você tem certeza? Mas o que é que você quer da vida? Você tem certeza?

Eu não soube responder com exatidão o que queria da vida. Mas não queria mais estar com você. Eu fiz uma lista de todos os seus defeitos e usei como combustível para não retroceder na minha decisão. Pontuei todas as coisas ruins entre nós e me agarrei nelas para não esquecer que aquela não era mais a vida que eu queria.

Então alguém me aconselhou a fazer o contrário, a colocar na balança as coisas boas entre nós, os motivos que me fizeram ficar e que me fariam continuar. Para a minha surpresa e tristeza, não sobrou nada em que me agarrar. Eu achei que tínhamos construído um alicerce sólido, sobre a rocha, achei que tínhamos a receita do bolo, que éramos um casal perfeito e não observei que o amor reina na imperfeição entre duas partes que temem sim, todos os dias, não ter mais o outro por perto.

Nós deixamos de ter medo do fim, porque acreditamos que ele nunca chegaria. Deixamos de conservar o amor, o ciúmes saudável, o carinho diário, o cafuné e os momentos a sós, porque chegamos num ponto em que nossa prepotência julgou ter uma relação inabalável. Foi assim que nós não percebemos o amor acabar dia pós dia, um pouquinho todos os dias em doses homeopáticas e fatais.

Eu sem amor, não sou ninguém… Eu preciso amar e eu preciso demais receber esse amor de volta. Não vi mais em você motivos para amar e depois de repetir centenas de vezes para o reflexo no espelho: – Você tem certeza? Decidi, por mim, da maneira mais egoísta que pude que não queria mais ficar. Porque se ficasse, não seria mais a pessoa que você merece e, pouco importa que tipo de pessoa você realmente seja, em nome de todos os anos que compartilhamos juntos, você merece a felicidade e o amor que eu não posso mais te dar.

Eu segui meu caminho. Eu encontrei um novo amor. Eu não esperei mais nenhum minuto, porque esperei anos enquanto estivemos juntos e, quanto tempo mais eu deveria esperar? Eu fui embora carregando a culpa, desejando ter o poder te deixar bem, sem mágoa, compreendendo meus motivos e com sorte, concordando com eles.

Não sei se foi assim. Não sei que sentimentos carrega dentro de você. Eu vi tristeza e vi seu mundo abandonado, parece que estacionado esperando, quem sabe, meu arrependimento, a constatação do meu equívoco ao decidir partir. Não tem engano nenhum. Chequei várias vezes meu coração para ter certeza de que eu não te amo mais. Não com o sentimento homem-mulher. Não sem olhar para você com aquela preocupação fraternal de bem-estar.  Não dispara o coração. Não estremece o corpo. Não empolga. Viraram dias depois de dias, num movimento mecânico da vida.

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Por isso eu parti, carregando uma culpa imensa nos ombros, porque eu prometi e jurei amor olhando nos seus olhos, na frente daquele juiz de paz e em muitos outros momentos em que abraçados eu disse que estaria sempre ali. Eu não contava com o fim. Naqueles dias, você me dava motivos de sobra para respirar em cada momento ruim e pensar em tudo o que havia de bom e que me faria continuar.

Erramos quando confiamos nessa ‘pseudosolidez’. Erramos quando acabaram os beijos de língua, o olho no olho para dizer “eu te amo” e a mensagem no meio do dia. Errei quando disse que não acreditava mais no amor romântico e que achava que um amor-amigo era o que fazia a relação durar. Nesse dia, quando eu peguei o que havia de ruim entre nós e maquiei querendo fazer parecer uma coisa boa, escolhi cultivar o veneno que matou a nossa relação.

Eu parti… Adiei e protelei a decisão por tempo demais e a onda se tornou tão grande que saiu arrastando tudo. A família, a casa, os filhos… Nada disso fez uma barreira segura para me manter ali. Eu parti com uma coragem fajuta, de peito estufado e resolvendo a vida, só. O coração povoado de medos e incertezas, mas com plena convicção de que ali já não era mais meu lugar, meu lar.

Olhando agora, tenho a impressão de ter feito seu mundo desmoronar. Tenho quase certeza de que seu mundo se apoiava em mim e eu removi sua escora. Lembro-me da sua expressão de raiva me perguntando se eu achava que você não sobreviveria sem mim. É claro que nunca pensei isso. Mas queria te ver melhor agora. Queria ter tomado uma decisão que fosse de fato boa pra nós dois. Que me aliviasse a culpa por te olhar nos olhos e sentir que não posso amar você. Perdoe-me por isso.

Talvez você me odeie. Talvez um dia me agradeça. Talvez me ame. Talvez sinta raiva e mágoa e isso acabe em algum momento. Talvez um dia a gente sente, tome um café e você me fale da sua vida, me diga que foi muito melhor assim.

Talvez eu não deva te pedir perdão por não poder te amar. Talvez eu deva pedir perdão a mim por carregar essa culpa, por decidir pela minha felicidade, por achar que tenho responsabilidade pela sua. Talvez…  Mas é com convicção que olho no reflexo no espelho hoje e respondo: – Tenho certeza!

Não sei para onde estou indo… Mas onde estou hoje me faz feliz, por isso soltei o peso do corpo e estou deixando o vento me levar, ajustando vez ou outra às velas e seguindo meu coração. Eu já não te tenho esse amor romântico, mas tenho gratidão e respeito pela história que construímos, pelos anos que dividimos e tenho no meu coração o desejo sincero de que você encontre a felicidade que eu não posso te dar.

Perdoe-me por não te amar… Mas se não puder me perdoar, seja feliz. Assim, eu já terei minha redenção.

Luciana Marques

Fotografia: Google. Fonte indisponível.

 

 

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