Uma dose extra de coragem, por favor!

Cheguei no bar naquela noite, parei na porta e quase desisti de entrar.

Olhei pra dentro e vi aquele monte de sorrisos embriagados, rindo de algo que eu nunca iria saber o motivo, nem notando que eu havia entrado. Pensei melhor, e vi que em qualquer lugar que eu fosse, os cacos do meu coração iriam me acompanhar; então que fosse pelo menos em algum lugar com a música tão alta que eu nem precisasse conversar.

Fiquei por horas sentada com uma amiga, tentando parecer interessada no que ela me contava, no meio daquela música incrivelmente ensurdecedora, mas que ao mesmo tempo, me deixava aliviada. Enquanto eu acompanhava seus lábios se mexendo sem parar, minha cabeça flutuava pra longe e me levava pra qualquer outro lugar.

Meu corpo ali, sentado e estático, se movimentando apenas pra levar o copo em direção a boca, e, de vez em quando, pra dar um amarelo sorriso, se esforçando pra esconder o coração pulsando no peito mais forte que as caixas de som, e tão dolorido.

Uma daquelas noites horrendas, que você se sente um corpo perdido no meio do espaço, no meio das luzes coloridas que te dão uma certa emoção e agonia, no meio de uma festa que já atingiu o ápice do seu cansaço. Aí você olha para os lados esperando qualquer um de seus amigos te dar aquele emocionante sinal e falar “vamos embora, acabou meu maço”.

Enquanto essa hora não chegava eu insistia em deixar que enchessem meu copo, deixo que me convençam a beber qualquer dose que tivesse no bar, com a esperança de que tudo o que eu sentia pudesse se amenizar.

Depois de uma e outras, comecei a olhar pra todas aquelas doses e pensar que aquela imagem era apenas uma metáfora a ilustrar que, na verdade, o que eu devia tomar mesmo era coragem.

Coragem é uma palavra afrontosa, eu diria, né? Passa na nossa frente toda se insinuando e rebolando, rindo, se achando a nata, e quase que falando “eu sei que sou eu o que te falta”. Parece ser tão fácil quando falam.

E então, eu bebi, várias doses naquela noite, pensando todas as vezes que podia ser a tal da coragem, queimando minha garganta e dando um choque no meu fígado, de vitalidade, ou algo que similar que me fazia sentir viva e fazer várias  promessas com tanta vontade.

Mas não era coragem que tinha dentro de todas aquelas doses, e a única coisa que me restou no outro dia foi a ressaca que me acordou, deixando bem lembrado que mais um dia amanheceu e eu ainda não tinha mudado.

No fundo eu sabia que aquela noite ia se repetir ainda muitas vezes, aquele mesmo cenário e as mesmas falas; mas o que me impedia de querer mudar era que, pra encontrar minha coragem, eu precisava ainda tomar muitas outras doses de verdade, e vez ou outra até parar na enfermagem.

Eu precisava ainda entender cada parte de mim que estava quebrada, juntar todos os cacos em meio a noites que me davam um fio de descontração e melancolia maquiada.

Eu precisava me perder ainda muitas vezes no meio daqueles bares, das músicas e luzes circulares, para então eu me encontrar, ou, quem sabe, finalmente, tomar a minha dose extra; agarrar de uma vez por todas essa tal de coragem, que anda por aí, se insinuando sem pudor, só por pura malandragem.

Jéssica Holtz

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