O que seus pais não te falaram sobre o tempo

Eu costumava ficar muito perto dos meus pais quando era criança. Creio que seja assim com muita gente. Era a típica criança “grude”, que se agarra às pernas da mãe e causa uma sensação de alegria no início, mas depois beira o desconforto para ela. Durante uma boa parte da minha infância, fizeram o papel do típico casal atarefado: andavam de um lado para o outro, mexiam em pilhas de papéis que talvez nem mesmo hoje eu compreendesse, deixavam a maior parte das tarefas domésticas para a moça diarista e quase nunca havia tempo para conseguir um pouco da atenção deles para algum rabisco meu ou qualquer outra futilidade de criança. Por diversas vezes aquilo me chateou (e minutos depois já estava distraído brincando com alguma outra coisa) e me fez pensar que talvez eles não valorizassem corretamente o próprio tempo para me dar mais atenção.

 

Somente muitos anos depois que eu conseguiria vir a compreender que o meu tempo naquela época não era o mesmo tempo dos meus pais. Como duas dimensões diferentes, elas se movem de forma assíncrona. O meu tempo, na condição de criança, era algo descartável: passava poucas horas na escola e muitas no videogame. O ócio era constante e a frase “não tenho nada pra fazer” tornou-se quase um jargão pessoal que significava na verdade “estou entediado demais para fazer qualquer coisa”. O meu tempo se movia devagar, a passos pequenos e aproveitando a vista. Sem rumo, eu ia até onde ele me guiasse com a mesma serenidade no olhar de sempre, consciente de que a minha única preocupação seria garantir que meus deveres de casa estivessem em dia.

 

Hoje esse tempo foi embora. Sem a minha permissão, ele foi trocado de forma súbita pelo tempo dos meus pais. E foi então que a verdade me atingiu com a mesma força que a ressaca de domingo te acerta um soco no nariz na segunda-feira: o tempo dos meus pais é uma moeda de troca, e quando começamos a chegar perto dos trinta anos, essa economia se torna o mais belo caos total.

 

Checamos o relógio com mais frequência que a nossa conta bancária. Cada minuto é indispensável e deve ser utilizado com o máximo de raciocínio para que a produtividade requerida seja atingida. Você acorda pela manhã com o despertador tocando: ainda é noite lá fora e você preferiria estar ouvindo uma música da Xuxa ao contrário naquele momento do que o odiado som do despertador. Aperta o botão de soneca mais três vezes. Se foi meia, para sempre. Esses trinta minutos, antes inofensivos, agora vão fazer com que se atrase para o trabalho, porque já é sabido que o trânsito até lá vai demorar uma hora inteira e seu chefe já deu dois avisos. Se atrasar de novo, procure outro emprego. Você engole o café solúvel frio (porque não teve tempo de esquentar) e pega uma fruta qualquer na geladeira enquanto olha fixamente para o relógio de pulso. As próximas nove ou dez horas você vai passar olhando para o relógio também, mas dessa vez esperando o final da tarde enquanto bate o pé de leve no chão repetidamente, ansioso.

 

Mais uma hora inteira de trânsito. Chegando em casa você precisa estender as roupas, lavar a louça, levar o cachorro para passear (o coitado não vê a rua há duas semanas), arrumar a cama que você deixou uma bagunça porque acordou atrasado. Vê que precisa ir ao mercado, pois na geladeira não existe nada para comer na janta. Melhor ficar sem comer hoje então, não é? Afinal, imagina quanto tempo você vai levar indo até o mercado e esperando na fila do caixa.  Ufa… Tudo pronto! Você já pode sentar, relaxar e curtir aquele filme que você queria tanto… Espera. Olha a hora! Você deveria estar na cama há 30 minutos, ou vai se atrasar amanhã mais uma vez.

 

Trocamos cada pedacinho de tempo por algo importante da rotina, e mesmo assim somos obrigados a deixar muitas coisas de fora. Normalmente são aquelas coisas que realmente gostaríamos de fazer. Hoje eu entendo que quando se utiliza o tempo como moeda simplesmente não existe espaço na agenda para parar tudo e ver um rabisco qualquer de uma criança. Somente quando ocorre essa “troca de tempos” é que finalmente percebemos o quanto dele nós gastamos com coisas fúteis.

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Talvez você ainda não tenha realizado a troca. Talvez, nesse momento, você nem saiba que horas são, e não se importa tanto assim. Se esse for o caso, deixe-me passar um conselho de quem já conhece todos os modelos de relógio: pare agora de perder tempo. Seu tempo deve ser convertido em crescimento e satisfação pessoal. Divirta-se, ria, brinque e descanse, mas ao invés de jogar mais duas horas de videogame ou assistir uma série inteira na televisão durante uma semana seguida, estude. Leia, se aprimore, cresça. Cresça como pessoa, como profissional, como amante, amigo e todo o mais. Busque aprender aquilo que não sabe, faça projetos, escreva um blog, faça um curso online. Não se venda tão barato para o tempo.

 

Queria ter descoberto isso antes, mas acho que faz parte natural da vida. Da minha, da sua, e de todos nós. Seus pais não lhe contaram o verdadeiro segredo do tempo, e talvez tudo realmente tenha uma hora certa. Mas quando você perceber que fez a temida troca, cuidado: um dia a conta de todos nós chega ao zero.

Enviado por Thales Ludwig Valentini

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