O amor se prova nos pequenos gestos

Sem cuspir nos pratos que já comi e ainda como – o da literatura e o do cinema – não tenho a menor dúvida em afirmar que tanto um quanto o outro contribuíram de uma maneira muito negativa para a maneira como vemos os relacionamentos. Mocinhas sempre lindas e engraçadas, mocinhos sempre eloquentes e gentis. Mas não nos culpem. Se você fosse um escritor e seu personagem pudesse – e ele pode – ser o que você quiser, decerto você o faria o mais próximo possível do ideal. Mas, no mundo real, não há sequer uma pessoa que se aproxime desse ideal. O cinema e a literatura nos ensinaram que gestos grandiloquentes e espalhafatosos são provas de amor, como um anel de brilhantes, uma declaração durante um mergulho entre tubarões nas Bahamas ou um grande concerto ao ar livre com músicos tocando “My Valentine” em um parque.

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Mas um anel caro não é prova de amor, é prova de que você é rico. Um grande concerto não é prova de amor, é prova de que você tem amigos músicos com bastante tempo livre e que não se importam de trabalhar de graça. Um pedido de casamento entre tubarões não é prova de amor, é prova de que você é um tremendo de um imbecil, quem em sã consciência nada com tubarões!? Mas deixando de lado o seu desejo de morte, amor não se prova com grandiloquência, nem usando a palavra “grandiloquência” pela terceira vez em dez linhas. Se você tem dinheiro, é fácil fazer coisas caras para impressionar, mas isso não prova nada. Se você tem dinheiro, isso nem sequer é um sacrifício. Provas de amor de verdade são os pequenos gestos do dia a dia, aqueles que podem parecem fáceis à primeira vista, mas que um dia podem chegar a ser tão assustadores quanto – Deus! – nadar entre tubarões.

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Comprar um anel caro e escondê-lo dentro de uma sobremesa de cem reais no restaurante do cara do Master Chef não é nada perto de rir de todas as piadas sem graça que ela faz quando está bêbada, e se você não rir, ela chora, porque quando ela bebe, além de piadista ela fica sensível. O concerto no parque é um passeio no parque quando a sua namorada rica aceita ficar em casa com você comendo pão de queijo de micro-ondas porque você está sem dinheiro, e ela prefere isso do que correr o risco de se oferecer pra pagar tudo e te deixar chateado. Provas de amor reais, do dia a dia, são as mais difíceis e as mais reais. Tentar não bater nos amigos idiotas dela, botar a camiseta esticada atrás da geladeira porque você vai conhecer a mãe dela pela primeira vez e não quer que pareça que a sua camiseta acabou de sair do cu de uma Llama com prisão de ventre. Prova de amor é estar na casa do seu namorado, olhar ao redor e tentar não reclamar o tempo daquela bagunça toda, e tentar não sair arrumando tudo e botando cada livro em seu devido lugar, já que eles estão espalhados por toda a casa.

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Amor não pede provas, pede, adivinhem?, amor! Mas é sempre bom demonstrar, é sempre bom saber que somos amados e queridos. E ninguém se sente amado só porque você tem dois mil reais pra pagar em um bracelete ou porque você tem um amigo publicitário de ele deixou você fazer uma declaração de amor em um outdoor. Nos sentimos amados quando ela tenta não morrer de alergia e mesmo assim faz carinhos nos seus gatos, quando ele entende que nunca mais vai ver filme de terror com ela porque ela tem medo e que, a partir de agora, ver filmes de terror vai se tornar um ato secreto, clandestino para quando ela estiver na casa da mãe dela. Nos sentimos amados quando damos um anel caro para ela e ela diz: “Adorei, amor, mas podemos trocar por um videogame e aquele joguinho de ficar dançando?”. E, mesmo odiando dançar, você aceita. Porque isso são provas de amor.

Léo Luz

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