Não sei se já confessei a vocês, mas sou completamente apaixonado por calçados. Tenho mais de trinta pares espalhados pela casa. E já pensei, seriamente, em comprar um armário só para estacioná-los.
Se eu tivesse guardado as caixas dos tênis que comprei nos últimos cinco anos, certamente, possuiria matéria-prima suficiente para a construção de um imenso resort para gatos. Gosto tanto de comprar tênis, que por precaução e para fugir de possíveis rombos em minha conta bancária, até evito passar em frente a algumas lojas. É mais seguro, eu sei.
Às vezes eu saio de casa para comprar aveia e volto portando um novo par de botas. E sem a aveia, óbvio. O que foi? Você nunca fez isso?
Mas saiba que eu estou longe de ser o maior consumista do meu bairro, e mais distante ainda de me parecer com uma versão masculina da Paris Hilton. Eu fico assim – impulsivo e irracional – apenas quando penso em calçados – e em temakis, claro. Com o restante das coisas, acredite, eu lido muito bem, obrigado, e consigo me controlar perfeitamente. Pra você ter uma noção, irmão, a última vez em que comprei uma bermuda foi em 2003, antes da viagem para Porto Seguro que fiz com o colégio. E não pretendo substituí-la tão cedo, pois apesar de possuir alguns furinhos e de apertar a minha barriga não mais adolescente, ela continua ótima, e quase, quase mesmo, na moda.
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Agora que sabem da minha paixão por objetos que vestem os pés, eu gostaria de dividir um acontecimento curioso com vocês:
Há três meses, em um dia na qual nenhum texto parecia interessante, eu resolvi tomar um café no shopping. E lá, à primeira vista, apaixonei-me por um par de Vans. Meu coração chegou a disparar. Suei frio. E, gaguejando, perguntei o preço do tênis à simpática vendedora. “Duzentos e vinte e nove, senhor!”, ela me respondeu. Só não comprei na hora porque estava mais duro do que pinto de ator pornô. Mas decidi que juntaria grana, e que, assim que tivesse o montante necessário, voltaria àquela loja para realizar a compra. O tempo passou, e o meu cofrinho, graças às coxinhas que deixei de comer e aos sábados que fiquei só no DVD, engordou. Para ser bem preciso, consegui duzentos e quarenta e dois reais.
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Amanhã comprarei o tênis, pensei. E minutos depois o meu telefone tocou: minha namorada. Voz carregada de preocupação. Problemas no trabalho. Tensão que não precedia menstruação alguma. Timbre rouco de quem havia dormido mal. Tentei imaginar uma maneira de ajuda-la, mas me senti impotente, algemado por variáveis nas quais eu – mesmo querendo muito – era incapaz de interferir. Ela precisava de soluções que, definitivamente, não estavam ao meu alcance. Porém, por amá-la e por querer, a todo custo, vê-la bem, senti-me impelido a ir além do mero “Vai dar certo, amor!”. Eu precisava ajuda-la. Mas como? Pensei. Pensei. Pensei.
E resolvi que, em vez do tênis, eu compraria um vale-massagem (já que eu não poderia dar a solução, decidi que, ao menos, amenizaria as tensões decorrentes do problema). Vinte cinco minutos depois o vale já estava no e-mail dela. Meu telefone não demorou a tocar: um “alô” emocionado seguido por um “obrigada” sorridente. Timbre de gente que, em meio à guerra, do nada, encontra uma proteção, um abrigo florido e inesperado. Senti um bem-estar inexplicável. Fui invadido por algo bom que, agora, parece beirar o indefinível, o imensurável. Sabe do que eu estou falando? Não? Falo de sorrisos que nunca deixam o nosso coração ficar descalço.
É óbvio que sou apaixonado por calçados, mas, se eu precisasse, para garantir a felicidade de quem amo, eu andaria por aí apenas de Rider. Não de Crocs, aí já é exagero… Brincadeira! Pela alegria dos que eu amo, eu andaria até de pé pelado em dia de asfalto-frigideira.
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