O amor é quando a gente mora um no outro

É, o amor tem dessas. A gente não espera, não pede, não escolhe. Não é como roupa, que se não serviu, a gente vai até a loja, troca e pronto. Aliás, como seria esse mundo se o amor fosse vendido em bancas, araras e prateleiras? Vou além: e se o amor fosse feito sob medida? Quer se apaixonar?

Vá à costureira de amores, que ela há de coser um que lhe sirva como uma luva: na sua cor predileta, acinturadinho, nem muito curto, nem muito longo – nem vai precisar fazer barra.

Para os perfeccionistas, esse seria o mundo dos sonhos. Mandar fazer um amor loiro, de olhos azuis, 1,90m, engenheiro, bem-sucedido, poliglota, criativo, delicado, inteligente, talentoso, sensível, carinhoso, bom de mesa, cama e banho. Eu bato no peito com toda a força e ouso dizer que um mundo assim seria deveras chato.

Afinal, eu, você, Maria e mais 95% da população feminina mandaríamos fazer um tipão conquistador, como Brad Pitt; um esportista a la David Beckham; ou um amante latino como Malvino Salvador.

Os homens, por sua vez, escolheriam moldes de Angelina Jolie, Megan Fox, Ellen Roche. E o meu narizinho de batata e meu um metro e meio, o que seria deles? Provavelmente, a uma hora dessas, estariam mofando no estoque…

Deixando as brincadeiras, o meu tipo físico e os clichês à parte (pero no mucho) amor simplesmente acontece. E aí, como passe de milagre, tudo passa a fazer mais sentido.

O despertador tocando às 6h30 da manhã não é mais tão incômodo. O trânsito quilométrico de São Paulo fica menos insuportável.

O som sai mais suave da vitrola, o chocolate soa ainda mais doce ao paladar, a brisa da noite se torna mais agradável. Aonde havia ausência, agora há presença. E aonde havia exagero, agora há equilíbrio.

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Mas a princípio, a gente resiste. Afinal, o que a vida ensina é que se é tão gostoso, há de ter algo de prejudicial – assim como a bolacha Passatempo recheada, a batata-frita, a cervejinha nossa de cada dia.

Mas se é amor mesmo, meus caros, é inevitável: de certa forma, o universo quer que a gente se encontre. Que a gente pule da duna mais alta do deserto de olhos bem vendados.

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Porque o universo, ah, esse sabe que lá embaixo há um oásis pra toda a sede que há no mundo. E que só se afoga quem se desesperar. As mãos se entrelaçam perfeitamente, os sorrisos se correspondem, os anseios se complementam, o sexo é tão bom que chega a ser lógico.

O suor ácido de um encontra alento na saliva básica do outro. Os defeitos de um existem para testar a resiliência do outro. As virtudes do outro servem para despertar no um a vontade de ser ainda melhor. E aí, a vida vira uma valsa. Na cadência bonita dos compassos ternários, quem se ama se complementa.

Irradia a luz do sol em sorrisos, gira a Terra em translação com os próprios pulsos, pulsa no ritmo do quebrar das ondas. Dá corda ao relógio do mundo.

É aí que eles percebem: juntos, podem muito mais. Se ela tem o vermelho e ele tem o azul, juntos eles têm o violeta. Se ela chega com a voz e ele com o violão, juntos eles cantam e encantam em qualquer festa.

Se ela traz o feijão e ele traz o arroz, juntos eles podem matar a fome de um mundo inteiro. De tão brilhantes que são como um par, o espelho já não reflete um sem o outro ao lado.

Adeus, solidão. Tchau, vazio. Bye-bye, tristeza. Eles desvendaram o segredo do mundo: souberam encontrar a completude nas diferenças.

Enfim, o amor serviu como uma luva. Serviu ao corpo, à mente e ao coração – muito melhor do que se tivesse sido feito sob medida.

A verdade do mundo pertence aos poetas, os seres que mais sabem amar – ou pelo menos, os que melhor fingem. E para encerrar, me aproprio de um sábio pensamento de Mário Quintana: “amor é quando a gente mora um no outro”.

E pra você, o que é amor?

EOH

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