Não quero te ver desistir diante da primeira ilusão

É mais ou menos assim que tudo acontece… Você não quer viver só, não nasceu para isso. Então escolhe alguém de forma passional ou racional, mas escolhe baseado em dados concretos, em idealizações fantasiosas, em necessidades reais, imediatas, de longo prazo, de acordo com seus critérios friamente definidos ou calorosamente decididos pelo seu coração.

Descartando aqui as relações convenientes, que se mantem por status, pelos vínculos materiais e pelo “imagine, depois de tudo o que a gente passou eu vou deixar tudo pra ele (ela)?”, segue aqui comigo nas decisões passionais, apaixonadas, guiadas pelo coração.

Amar dói. Não quero nem saber de que tipo de amor falam as pessoas mais evoluídas, esse que são só flores e te transformam num monge budista que só faz o bem. Não, não! Amar dói, dói sim senhor! E dói por quê? Porque nos iludimos com a ideia das flores. Dos monges budistas. De que a partir daquele momento lindo em que encontramos aquela pessoa praticamente perfeita, a vida vai ser assim, perfeita. Nunca mais vamos chorar, nos sentir tristes, magoados, chateados, abandonados, mal amados e outros ados da vida, pelo menos não por causa dessa pessoa.

Vou te contar, a menos que seu amor seja um anjo, um literal, com asas, que viva num outro plano, um plano perfeito… Ele é apenas e tão somente… imperfeito. E é isso que dói. Aquela pessoa que você enxerga lá na sua velhice, com quem tem ou quer ter filhos, com quem já passou ou pretende passar anos da sua vida, ela, às vezes, te faz chorar. Te faz se sentir um merda com palavras que você vai achar serem injustas demais pro tanto de amor que sente por ela.

Amar dói porque você pode amar um espelho, alguém que seja exatamente como você queria e que até supere essa sua expectativa idealizada, mas você está amando uma outra pessoa. O que isso quer dizer? Que existe alguém além de você nessa relação. Um alguém com sentimentos, que vai ter suas próprias necessidades, seu ritmo, sua maneira de pensar, de se comportar, que nem sempre vai estar na mais perfeita sintonia com você. Alguém que deixa a toalha molhada na cama e gosta de temperar a salada na vasilha. Alguém que no momento em que você espera encerrar um atrito com um “eu amo você”, vai estar com pedras na mão porque ainda não está tudo bem pra ele.

Quando a gente ama uma outra pessoa, dói. Sinto decepcionar, mas dói sim, esteja pronto pra isso. Esteja pronto para deitar a cabeça no travesseiro contando os minutos ou quem sabe as horas (e que não sejam mais que isso) mais lentos da sua vida até tudo virar calmaria novamente.

Mas olha… Amar é bom. Embora isso pareça altamente contraditório, posto que acabei de dizer que amar dói, em absoluto quis te incentivar a não amar. Amar é bom demais! Se o amor é recíproco, se existe sempre uma maneira de consertar o que arranhou, se a dor dura minutos, horas (malditas horas), mas existe dos dois lados uma vontade de por fim a isso, se vocês discutem pontos de vistas diferentes e esperam um entendimento do outro lado e ele vem, se durante a dor você espera ansioso pelo momento do abraço que é certo que vem, então, você tem um bom amor.

Quando a raiva em ver a tolha molhada vem de mãos dadas com “que droga, eu amo essa bagunça”, quando os atritos não colocam em cheque o sentimento, mas te dão certeza da força do que sente, ah, sim, você tem um bom amor. Um amor real.

Os imaginários é que são sempre lindos, contos de fadas onde você tem sempre um cabelo arrumado e o final é sempre, feliz.

A vida real não é assim. Na vida real você vai precisar encarar de frente essa outra pessoa e dizer “ei, eu não gostei” e vai ter que estar pronto para ouvir, entender, digerir, engolir, respirar e seguir amando. Na vida real você vai precisar enfrentar os fatos, se posicionar, falar dos seus sentimentos também e, eles nem sempre serão bonitos, mas… um bom amor entende, respeita, te ajuda a enfrentar seus medos e seus fantasmas. Não imediatamente, não espere despejar suas dores e ouvir um “ tudo bem, eu te amo, você tem razão”. Mas um bom amor permanece sendo amor, apesar de todas as coisas.

Amar dói, isso é que é. Daquela dor curiosamente boa de sentir, porque mostra que você se importa, afinal. E amar é bom, sim, é bom! É no amor que a gente conserta e não descarta. Que a gente entende que o ouro reluz com o atrito do polimento, que o diamante era pedra bruta antes de ofuscar com seu brilho, que o pão só fica macio se bem sovado e qualquer outra analogia que você queira usar para compreender que as dificuldades fortalecem amores de verdade.

Eu te digo que amar dói, porque não quero te ver desistir diante da primeira ilusão desfeita de amores perfeitos. Aceite um amor que dói, se ele também te fizer feliz e, claro, se na sua contabilidade a felicidade for imensuravelmente maior do que os minutos de nivelamento que a dor traz. Os amores passionais doem sim, mas constroem. E te transformam em uma pessoa melhor sim. Não é porque eu disse que amar dói que você vai aceitar resignado uma vida de sofrimento, subjugado a alguém que não te valorize. Não!

Você vai pegar uma balança, não na hora da raiva, é claro. Depois de respirar, pegue uma balança e coloque de um lado a dor que o amor eventualmente te causa. As lágrimas, os palavrões que você é obrigado a pronunciar mentalmente ou em voz alta, a vontade de mandar essa pessoa cretina à merda por magoar você e todas as coisas negativas que você queira pontuar nela. Pontue mesmo. Faça uma lista e coloque na balança.

Feito isso, no outro lado da balança, coloque o amor, o que ele construiu de bom na sua vida, o que modificou em você, quantas vezes te fez sorrir no meio dia, inesperadamente, te fez ter o desejo de ser uma pessoa boa consigo mesmo, com o próximo, te fez pensar no quanto vale a pena viver e quem sabe poetizar por aí sobre o que é ser feliz de verdade. Faça outra lista. Esse lado da balança precisa transbordar, de preferencia que a balança tombe para o lado bom do amor. Sua mão tem que ficar dolorida na hora de listar os aspectos positivos de ter esse amor. E você verá que embora o amor às vezes doa, sempre vale a pena consertar, e amar, porque na vida real, o amor às vezes dói, sim, mas na maioria esmagadora das vezes, te faz ser feliz de verdade.

Amar dói, mas não é daquela dor de ferir a alma de morte. É uma dor que se encerra num abraço da certeza de que seu coração às vezes dói pela pessoa certa na sua vida.

Luciana Marques

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