Estamos em obras

Foto: Unsplash

Ruídos estranhos, mal cheiro e um ambiente hostil deram a deixa de que algo ia mal. Seguido de presença de umidade e infiltração, passei a temer que a base do alicerce estivesse sendo prejudicada; um medo que não me deixava sequer dormir direito.

Como a gente pode morar em uma casa cujas paredes e teto não nos oferecem mais nenhuma segurança e ainda nos colocam em risco?

Eu tinha apego pela mobília que havia ali… Por cada detalhe, cada objeto, cada recordação de uma viagem, um momento, um final de semana, uma colher simbólica, marca de copo na mesa, registros de uma vida toda prestes a se perder em uma catástrofe qualquer que poderia acontecer dentro de uma casa praticamente condenada.

Ainda existia a possibilidade de um reparo estrutural. Mas para isso, uma grande reforma precisava ser feita, daquelas onde é preciso desocupar o imóvel, solicitar aos inquilinos que se mudem temporariamente, remover toda a mobília, quadros das paredes e espalhar plaquinhas de “desculpe o transtorno, estamos em obras para melhor atendê-lo” para orientar aos moradores (e futuros moradores) que qualquer transtorno e desconforto eram temporários e logo tudo estaria muito, muito melhor.

Mas a segurança, o conforto, a reforma, a mudança, antes de visar moradores e futuros moradores, era para o meu próprio bem, para a minha própria segurança. Minha saúde já estava afetada pelas condições precárias em que eu vinha vivendo. Habituei-me àquele ambiente inóspito e fui permanecendo ali até ter sintomas tão graves e comprometer minha saúde a tal ponto, que fui forçada a fazer reformas.

Mas sabe que, nem todos se incomodam com as condições locais, desde que haja um teto, (um qualquer), ainda que não ofereça seu melhor potencial de moradia, desde que não interfira na zona de conforto. E para esses, quando você solicita uma mudança até ajeitar as coisas, o incômodo é sobremaneira pior que a permanência.

Existem inquilinos que não voltam mais; outros que felicitamos pela reação, para que não voltem mesmo, porque colaboravam para que tudo ruísse; não cuidavam da casa, não faziam manutenção, não tinham zelo e ainda reclamavam das condições ruins que ajudavam a criar.

Baixei o valor do aluguel, deixei de perceber o valor que minha casa tinha e passei a aceitar inquilinos sem me preocupar em checar se eles estariam comprometidos a cuidar da casa.

Fato é que após cuidadosa análise, constatei que a parte estrutural estava preservada. Alguns móveis estavam condenados, as paredes precisavam de reforma e eu precisaria de uma obra permeada de transtornos a fim de encontrar os encanamentos que estavam entupidos ou com vazamentos, identificar de onde vinha o mal cheiro e por fim, eu precisava reunir coragem para despejar inquilinos que não colaboravam para que a casa do meu coração fosse como eu planejava que fosse.

Eu queria cores claras, flores, janelas amplas de madeira (brancas de preferência), o silêncio da manhã, cheiro de café, cobertor quente, pássaros. Mas andei pintando paredes com infiltração e a beleza da pintura nova rapidamente desaparecia, revelando a carência de manutenção.

As janelas eram pequenas, eu precisaria quebrar paredes para ampliá-las e estava fugindo do transtorno que isso causaria. Eu plantava flores, mas admiti inquilinos que consumiam tanto minha energia que acabava esquecendo de aguá-las e elas morriam por falta de cuidado.

Um dia percebi que não conseguia mais respirar direito. Não conseguia mais dormir direito vendo as paredes daquele jeito. As janelas me sufocavam e as plantas secas me deprimiam. A minha energia estava se esvaindo. Agarrei-me no pouco que me restava e decidi começar a tão adiada reforma em minha vida.

Já temos janelas novas e várias plantas espalhadas pela casa (com água!). Ainda temos muito trabalho pela frente. Ah sim, muito trabalho! Trabalho para anos, talvez. A casa está desocupada, fechada até as obras acabarem, talvez.
Agora, eu e meu coração estamos em obras.

Desculpe o transtorno, estamos trabalhando para melhor atender a aquele que achar graça na beleza do abrigo que somos capazes de oferecer e que seja capaz de nos visitar sem mudar nossa paisagem.

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