Eles também amam!

“Será que eles sofrem? Será que eles amam? Será que eles sentem alguma coisa da pelve para cima?”

Com muita frequência falamos das dores, alegrias, sofrimentos e contentamentos do amor, do ponto de vista feminino. Talvez porque as mulheres (boa parte delas) sejam mais expressivas, mais emotivas e passionais.

Em nossa redoma feminina, ouvimos e falamos muito do quanto nos doamos e não fomos valorizadas e reconhecidas, da dor de termos sido abandonadas depois de tudo o que fizemos pela relação, do quanto nos esforçamos para sermos bonitas, carinhosas, dedicadas, gostosas. Nós somos o sexo frágil. Os homens são egoístas e só pensam… “Naquilo”!

É?! Talvez… Quem sabe?

Vale lembrar que não estou apoiando nenhuma dessas ideias. Mas não posso negar (enquanto mulher), que o papel de sofrimento na relação quase sempre pende para o lado feminino, mais sensível por natureza. Nós podemos até não sofrer mais do que eles, mas demonstramos muito mais (a maioria de nós).

Será que eles sofrem? Será que eles amam? Será que eles sentem alguma coisa da pelve para cima?

Se você der uma busca no Google vai encontrar uma infinidade de blogs e matérias falando do sofrimento “do homem moderno” (como se o homem demonstrar sofrimento fosse uma coisa permitida somente nesse século). Vai encontrar textões de desabafo de corações (masculinos) partidos e descrentes do amor. Declarações lindas de homens apaixonados e vai saber… Eles também amam! Sofrem! Eles também têm sentimentos! São seres humanos, afinal, não é?!

Outro dia estava num projeto, ouvindo histórias de amor, quando sentou na minha frente um curioso para saber o que eu estava fazendo sentada ali atrás daquela mesinha. Quando expliquei, ele se ajeitou e falou: – Então vai, escreve sobre a minha aí. Eu sorri e me ajeitei também, olhei pra ele e respondi: – Me conta!

Ele resumiu a trajetória de um casamento findado após 13 anos de união, por opção dele, porque havia se dedicado e se entregado demais e não recebia mais sentimento de volta. Virou uma relação mecânica de cuidar dos filhos, da casa e das obrigações. Ele queria sentir o coração pulsar novamente. Embarcou em alguns relacionamentos com o coração cheio de carências e esperanças e estava ali na minha frente, descrente e vazio.

“Pra falar a verdade, eu não confio mais em mulher, sabe? Não tenho confiança de me entregar porque parece que elas só querem tirar proveito de mim e depois vão embora. Parece que eu me fechei pro amor, entende? Não confio mais em mulher, to querendo agora viver a minha vida sozinho, no meu canto.”

Fiquei pensando em como eu contaria aquela história, tão parecida com tantas outras histórias, e tão comumente ouvida da boca de mulheres. Como eu narraria à frustração e as dores de sentimentos masculinos, quando o sofrimento do homem era visto como uma característica do homem moderno? Todo o tempo me ocorria à ideia de que… Eles também amam. Mas foram educados para serem fortes, porque afinal, homem não chora, homem sobrevive.

Conversa! Eu estava sentada diante de um homem que havia se disposto a falar de si, certamente representando incontáveis homens que sentiam as mesmas coisas. Homens que deitam a cabeça no travesseiro e amargam as decepções com a vida, com o trabalho, com os amores não correspondidos. Homens que mudam a estação do rádio para não sofrerem com aquela letra maldita que está tocando.

Eu ainda acho que nós mulheres somos mais emotivas, sensíveis. Nós somos. Deus fez assim. Nós menstruamos, temos hormônios, temos múltiplas personalidades dentro de 30 dias e eu tenho até pena dos homens que convivem conosco. Somos expressivas, às vezes dramáticas demais. Mas somos fortes, heroínas dos sentimentos, porque com todas essas oscilações, ainda desfilamos com bolhas nos pés e um salto 15.

Mas os homens também sentem. Amam. Eles fingem serem durões, mas sentem tudo o que sentimos, só que fingem muito bem (pelo menos a maioria deles). Eles se decepcionam, se fecham, ficam descrentes do amor. Vestem aquela armadura que ensinaram os homens a vestir, da mesma maneira que nos ensinaram que temos que saber lavar, passar, cozinhar, bordar, fazer o Kamasutra e manter a aparência impecável. E ajudar a sustentar a casa.

Criaram em nós ideias fajutas de como devemos nos comportar. E tornaram a nós mulheres, insensíveis aos sentimentos masculinos. Tornaram os homens atores que representam muito bem seus papeis de durões. E tornaram toda essa coisa de sentir um troço complexo demais.

Quem foi que teve essa ideia? Será que veio da época das cavernas? Ou de épocas medievais?

Bem… Será que não é hora de despojarmos dessa armadura e os homens não terem medo de sentir e demonstrar seus sentimentos? E as mulheres de receber isso sem desconfiar das intenções do camarada?

Bem ali na minha frente havia um homem que se dispôs a ser isso tudo aqui. Sem armadura, quis sentir, se entregar, deixar de ser o homem durão. E se decepcionou. Porque nós mulheres também causamos decepções. Nós terminamos relações, traímos, não conseguimos nos envolver, desejamos que o cara seja diferente e acabamos indo embora, ficamos enquanto está bom e conveniente e partimos quando sentimos que acabou.

Nós também extraímos tudo o quanto é possível de uma relação, para mais tarde nos darmos conta de que nos enganamos e então, vamos embora, sem comoção com as lágrimas e os pedidos de “fica, eu posso mudar”.

O que estou tentando dizer é que homem, mulher, não tem diferença quando o assunto é sentimento. É que por natureza, os homens são fechados e passam a ideia de que sentem menos, enquanto as mulheres são mais expressivas e parecem sentir demais. No entanto, não tem diferença. Sentimos, porque estamos vivos.

Talvez falte melhorarmos nossa percepção feminina dos sentimentos masculinos, o que seria muito facilitado se os homens demonstrassem mais seus sentimentos.

Meu texto não vai mudar o contexto histórico de que homens são machões, mulheres são dramáticas. Os homens serão por muito tempo ainda, vistos nesse papel de aproveitadores e manipuladores de sentimentos, enquanto as mulheres serão vítimas da astúcia masculina. Assim como não muda o fato de os homens serem ermitões na defensiva dentro de seu mundo, atuando como bravos guerreiros contra a sedução e artimanha feminina.

Mudou em mim desde aquele dia, sentada fazendo minhas anotações daquela história tão comum de ser ouvida da boca de mulheres, a perspectiva sobre o mundo masculino. Eles também amam. Não que eu tenha duvidado disso algum dia, mas eu confesso que também imergi nesse universo feminino de que os sentimentos são nosso departamento.

Eles também amam, também sofrem, também criam sonhos e expectativas, planejam o futuro e então se deparam com um relacionamento falido e infeliz… Talvez com um pouco mais de sobriedade que nós, mas não diferente do que esperamos da vida.  Só que insistimos nessa definição quase ridícula de papeis, e vamos assim, representando para a vida.

Eles fingem não sentir, pra gente não descobrir que eles sentem, e a gente dramatiza o sentir, para eles perceberem que sentimos, enquanto seguimos na dramaturgia do “não estou sentindo nada”.

Aquele homem momentaneamente descrente do amor, sentado ali na minha frente falando do seu coração, era uma exceção à regra do mundo ainda machista em que vivemos. Infelizmente poucos homens se expressam. Infelizmente poucas mulheres respeitam essa “fraqueza” masculina.

Infelizmente incentivamos essa cultura em que vivemos, onde as mulheres sofrem e são pouco valorizadas e os homens se fecham para manterem o respeito e a masculinidade.

Torço por uma mudança de perspectiva… Por mais homens falando de si sem se sentir fraquejar e mais mulheres dispostas a abraçar essas demonstrações de afeto sem encarar como uma fraqueza.

Que fechem as cortinas! Acho mesmo que o espetáculo deveria terminar…

Luciana Marques

Fotografia da peça “E a Cabeça tem de Ficar?”

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