Esqueça as certezas, se apegue as dúvidas

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Vivemos na era do discurso. Não é preciso tribuna, microfone, plateia. Temos um teclado e seguidores (que seja meia dúzia). Todo mundo pode falar. O que é ótimo. Estamos empoderados, disruptivos e cheios de opinião. Estamos também apressando o processo de metamorfose que todas as nossas dúvidas sofrem antes de virarem certezas.

A certeza que não respondeu a uma dúvida é rasa. A certeza que não se permite voltar a ser dúvida aprisiona.

É pelas dúvidas que se descobre o quanto uma pessoa é capaz de se desafiar, de se reinventar. Quanto mais advogado do diabo de si mesmo, mais status celestial ganha uma opinião.

A certeza é restritiva, a dúvida estimula a imaginação. Certeza é tornar algo óbvio – e a obviedade é sempre chata – e, roda-viva que é, se torna questionável. Certeza é zona de conforto, dúvida é eterna montanha-russa.

Não existe motivo para se envergonhar das dúvidas. Ao contrário, daria para escrever uma tese sobre a feiura da certeza impensada, da palavra vã, do discurso inflamado da boca pra fora que não teve tempo para arraigar-se da boca pra dentro.

Dúvidas nos mantêm atentos a qualquer nova informação. Pré-dispõem olhos e ouvidos abertos e atentos. Trazem ineditismo para a rotina. Certezas cegam a opinião dos outros, as evidências, o feeling.

A profundidade das dúvidas é proporcional ao esforço dedicado às certezas. Quanto mais alguém se questiona, mais já pensou, repensou, despensou. Mais se desfez para se reconstruir.

Ouvi alguém dizer que toda certeza é absoluta. Que bom se toda dúvida também fosse. Talvez ouvíssemos mais, fôssemos mais surpreendidos, mais autônomos e menos iguais. Mas não tenho muita certeza disso, não.

Marina Melz

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