Os relacionamentos pós-modernos são assim: descompromissados, flexíveis e distantes. Terminam antes de começar, se afastam antes de se apegar, desistem antes de tentar. O medo do envolvimento é um fato, e para lidar com ele falta tato…
Se para Zygmunt Bauman estamos vivendo um tempo de relações líquidas – analogia com a qual concordo -, gostaria de fazer diferente e chamar a atenção para a qualidade “aérea” de nossos relacionamentos. Assim como o ar, as relações são impalpáveis, tênues e invisíveis. Sim, invisíveis, pois pouco percebemos uns aos outros: vemos aquilo que está na superfície e nada mais.
Em tempos de cardápios humanos oferecidos por sites e aplicativos como Tinder e POF (Plenty of Fish), e da superexposição do cotidiano nas redes sociais, pode soar contraditória tal invisibilidade. Afinal de contas, o que mais vemos por todos os cantos são rostos e corpos e opiniões. No entanto, pouco conhecemos do ser humano que se encontra por trás dessas facetas. Assim como o ar, somos inalcançáveis apesar de estarmos por toda a parte.
O ar é, também, o símbolo que representa os signos mais racionais e, por consequência, frios, do zodíaco – que fique clara, aqui, a generalização –: Gêmeos, Libra e Aquário. Tais arquétipos representam o distanciamento afetivo, a racionalidade exacerbada, o impulso de liberdade e a famigerada indecisão.
Temos tantas opções que escolhemos não nos envolver – sem dúvida, vai aparecer alguém mais bonito, mais sexy e mais inteligente amanhã ou semana que vem. E a espontaneidade de se apaixonar e se cativar verdadeiramente por alguém, encantando-se sobretudo por seus defeitos, que o tornam único, deixam de existir. Queremos sempre o melhor, e o melhor significa uma quase perfeição: quanto menos conhecemos, mais perfeito o objeto de desejo nos parece. Assim como os signos de ar, somos permanentemente indecisos e não realizamos escolhas afetivas, pois, afinal, não precisamos optar quando podemos ter vários e sem nos preocuparmos com as dores de cabeça de um relacionamento fixo.
Não queremos abrir mão de nossa liberdade de não sentir, sem perceber que as muitas relações vazias que preenchem nosso tempo nos aprisionam. Somos aprisionados pelo medo do envolvimento, suprindo nossas carências a partir de uma máscara de paixão da qual só participam as carícias efêmeras e o gozo superficial resultante do sexo descompromissado. Assim como o ar, não queremos ser limitados, mas sim, expansíveis.
Dessa forma, seguimos pegando e descartando. Os outros – e nós mesmos – são uma ferramenta para atingir um objetivo: o êxtase momentâneo. Depois, nada mais. Vemos uma coisa tão subjetiva e sutil quanto o amor com uma racionalidade exata e científica, excluindo qualquer tipo de sentimento que possa resultar da relação, com a exceção do prazer. Deixamos de falar a linguagem do apego, do chamego e da ternura. Assim como o ar, não temos gosto – nem em nosso beijo.
Agimos tão automaticamente dessa forma que, quando encontramos alguém que tenha optado por ir contra a maré, estranhamos. E estranhamos tanto a ponto de não compreendermos e sermos preconceituosos. Deslegitimamos, por exemplo, a assexualidade, tratando-a como uma doença; encaramos os demissexuais – indivíduos que não sentem atração sexual por quem não nutrem afeto e interesse – como românticos baratos; identificamos na virgindade um problema a ser superado. Consideramos como moralistas e conservadores o diferente, porque estamos presos a um olhar superficial, o que acaba resultando em uma análise chinfrim. Não entendemos que, para além de religião e regras morais, existem opções de vida distintas da maioria.
Não que seja virtude agir de um jeito ou de outro. Ambos os caminhos, como também aqueles que estão no meio, são válidos se vão fazer o indivíduo feliz. No entanto, se a multiplicidade de relacionamentos for motivada pelo medo do apego, e não por uma legítima opção, o prazer te faz um refém e a ânsia de liberdade sai pela culatra. Não podemos nos deixar enganar: tememos o outro. Somos desconfiados. Nesse contexto, a leveza dos relacionamentos pode aparecer como um manto sobre o peso do medo. Não queremos ser abandonados, então nos abandonamos uns aos outros por cautela. Não queremos que conheçam nossos defeitos e fraquezas, então somos rasos. Tememos o término, então damos fim a algo que nem começou. Assim, caminhamos com o receio em nossa espreita, travados demais para viver um sentimento genuíno.
OBVIOUS MAG