Antes de ler, abra uma cerveja!

– Eu vou pegar uma cerveja. Essa história precisa de uma cerveja!

 

Já é a terceira vez, só no dia de hoje, que conto essa “história”. Talvez seja a quarta, não lembro mais. Recontei algumas vezes a mim mesma, então talvez estejamos na décima ou vigésima narrativa. É a primeira acompanhada de uma cerveja, isso eu posso garantir.

Acho que ainda não esgotei por completo. Tem um restinho de energia reservado para fazer esquemas mentais que buscam, incessantemente, entender o que se passou nas últimas 24h.  Vai ser minha pauta pelos próximos dias, como uma ótima série de suspense que saímos contando e indicando pra todo mundo. Nesse caso é terror, e já me vejo bêbada em uma mesa de amigos, bradando o quanto odeio todos os machos do planeta, e baixinho (no meu ponto de vista/audição alcoólico), chamando pra perto e questionando:

– Eu já contei sobre aquela vez que um cara destruiu todo meu amor próprio por pura vaidade, me fez sentir um lixo ambulante e me adoeceu física e emocionalmente?

A cada nova passagem pareço estar um passo mais distante. Como se não fosse o personagem central. Eu me tornei um disco arranhado reproduzindo uma sequência de fatos, uma vez após a outra, incansável, saciando os ouvidos curiosos, estagnada,  absorvendo opiniões e conselhos que nem mesmo em uma realidade perfeita conseguiria seguir. Há quem te culpe por inteiro. Os misericordiosos, 50%. Os românticos tentam te tornar o herói da tragédia, afinal “tem que ter muita coragem pra assumir um erro desses”. Eu, mutável, flutuo entre uma opção e outra, ainda sem conseguir encontrar justificativa para perdão.

– Eu to muito arrependido. To me sentindo culpado pra caralh#...

E como eu me sinto? Minha cabeça pesa, e penso tanto nesse furacão que por vezes entro na rua errada ou não percebo que o elevador já chegou. Às vezes falta o ar. De verdade, no pulmão. E eu nem imaginava que lágrimas poderiam ser tão salgadas a ponto de arder no rosto. Não consigo digerir, nem essa história, nem tuas desculpas, nem comida alguma. Estou doente de raiva e não sei por onde começar a extravasa-la, como revidar, como te fazer sentir mais do que “culpado pra caralh#”. Eu quero enxergar essa culpa. Uma enorme e dilacerante culpa, que te paralise e torture e me comova, me faça sentir vingada e em paz.

Quero que o teu lado humano faça o que eu não consegui fazer. Eu não consegui te machucar, porque não sei fazer isso. Me dói. Treinei, repassei na frente do espelho, mas não consegui pronunciar nem mesmo um palavrão. Dói em mim, quando o pensamento se forma eu já estou aos prantos, incapaz de dizer qualquer coisa. Pensar em te machucar, mesmo que coberta de razão, ainda me dói. Eu preciso aprender a revidar, com ou sem dor. É questão de sobrevivência, questão de justiça, mas só consigo me sentir pequena, como sempre foi. E por que cargas d’água quis manter na minha vida alguém que me faz sentir assim? Por que te dei tanto poder?

Metade de mim, quer te agradecer por esse choque de realidade. A outra metade quer abstrair e fingir perdão, te chamar pra um café, te empurrar do 13º andar e ainda chorar no velório. E uma outra metade, que levando em conta a matemática não deveria existir e muito menos apresentar estratégias, só quer acordar e não lembrar mais. Quer desviver todo esse furacão e arrumar um defeito mediano pra desapegar e ir embora, antes de conhecer a tua verdadeira face. Tem uma parte em mim que quer passar 24h contigo e descobrir que ronca alto pra caramba ou que mastiga de boca aberta, ir pra casa e, já desencantada, reclamar sobre isso com uma ou duas amigas e simplesmente começar a te ignorar até desistires de enviar mensagem perguntando como estou.

Eu queria mesmo era ter vivido essa fase do enjoo. Ter tanto de ti a ponto de me sentir exausta e entediada. Queria eu ter encontrado um motivo pra retornar a superfície e observar de longe enquanto a vida se encarregava de nos distanciar. Não queria que tivessem me arrancado a força. Não queria que tivesses destruído com as próprias palavras a boa imagem que tinha de ti, tinha de “nós”. Queria que teus defeitos fossem aqueles que a gente já espera. Não queria te enxergar como vilão, como pessoa ruim, capaz de machucar de forma consciente, e tirar de mim o tão suado amor próprio que levei tanto tempo pra construir.

Me imaginei bebendo por tua causa pelos motivos banais, nunca pra me convencer que esse perdão tão teimoso que tenho, sempre pronto pra relevar e esquecer, não encontrou nenhuma brecha pra se apegar e sair em tua defesa. Eu vou precisar de muita cerveja pra aceitar minha incapacidade de perdoar que tenhas  destruído a minha versão que mais me orgulhava.

Deborah Anttuart

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