Prioridades e coincidências – A sinceridade nem sempre é a melhor saída

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Esta história que eu vou contar me foi contada pelo meu pai, que jura de pé junto que ela é verdade. Como nunca ouvi nenhuma versão dela, acredito que meu pai a tenha inventado sozinho. Vamos a ela:

Marcus e Rochelle trabalhavam juntos há um ano. Pelo fato de Rochelle ser casada à época em que se conheceram, nunca houve nada além de amizade entre eles. Porém, três meses depois de se conhecerem Rochelle terminou o casamento, e aí o papo mudou. A tensão sexual entre eles era palpável, sem trocadilhos. Eles se esbarravam nos corredores, se falavam por e-mail, trocavam olhares lascivos, mas tudo na maior discrição e subjetividade.

Até que um dia, em uma festa, a tensão palpável emprestou o adjetivo “palpável” à bunda de Rochelle, que estava sendo efusivamente apalpada por Marcus. Um olhar desatento sobre os dois deixaria dúvidas sobre haver ali uma, duas ou três pessoas.

O fogo era tanto que às vezes se pegavam (!) tentando tirar a roupa um do outro, em público, até que se lembravam que estavam em público. Até que Rochelle deu a idéia de irem para a casa de Marcus, mas este lembrou que estava sem luz. Não que eles fossem usar luz, mas não ter água gelada, comida nem TV não era uma perspectiva das mais agradáveis. Então Marcus sugeriu que fossem a um Motel. Rochelle aceitou, e partiram para lá, no carro de Marcus.

Se o clima na festa já estava nas alturas, imaginem vocês dentro do carro. Zíperes não duraram uma passagem de marcha (!) para serem abertos, e assim, neste clima de cena de filme pornô, chegaram ao Motel. Já no estacionamento as mãos estavam cheias e nenhuma delas era com o volante do carro. Então, em um momento onde quem olhasse de fora só veria Marcus, o carro bateu em algo. Era outro carro.

Marcus saiu desesperado, achando que aquele acidente ia melar (ou não ia deixar melar) sua noite. Mas quando saiu percebeu que o cenário não era tão ruim: apesar de a batida ter sido consideravelmente forte, ele reconhecera o carro: era de João, um dos seus melhores amigos. Querendo pregar uma peça no amigo, Marcus entrou no carro e seguiu para a sua noite de amor, luxúria e devassidão, e somente no dia seguinte ele ia avisar ao João que aquela batida no Motel havia sido ele.

Marcus aproveitou a sua noite, afinal, era um ano de tesão incubado. No dia seguinte ligou para o escritório de João, no que foi avisado pela sua secretária de que ele havia viajado. Nossa, ele era rápido, passou a noite no Motel e viajou logo cedo. Ele ligaria outro dia. Três dias depois, na segunda, Marcus voltou a ligar. “O Dr. João ainda estava viajando”. Esses congressos de médicos que o João ia duravam toda a semana mesmo. Talvez ele voltasse até a sexta. Marcus deixou recado. João era casado e a mulher dele não gostava muito dos seus amigos, por isso Marcus não ligara para sua casa. Mas João era apaixonado por ela, a ponto de já ter lhe confidenciado que não saberia o que fazer se ela o traísse, ou mandasse ele escolher entre ela ou os amigos.

Na quarta-feira João ligou de volta para Marcus, e marcaram um café. Marcus chegou primeiro e, quando João vinha se aproximando da mesa, com uma cara de muito preocupado, Marcus já falou logo, em um tom sério, para assustar João:

– Cara, tenho que falar uma coisa séria com você – Disse Marcus, muito sério e cínico.

– Caramba, nem me fala. Só problema. Tá sabendo do meu carro? – Perguntou um indignado e revoltado João.

– Sabendo de que? – Mais cinismo não podia haver.

– Do meu carro.

– Não, o que aconteceu? – Adendo: mais cinismo podia haver sim.

– Porra, Marquinho, foda. Eu viajei pra Argentina pra um Congresso, e de lá fui pra Miami comprar uns equipamentos novos pro consultório. Fiquei fora vinte dias.

– Vinte dias? – O cinismo dera lugar à surpresa. Havia somente dez dias que ele batera no carro de João.

– É, vinte dias, vinte e um, sei lá. Mas o pior não é isso. O pior é que eu deixei o carro com a Martha, milha mulher, e um filho da mãe deu uma porrada no carro quando ela tava no supermercado. Canalha. E ela disse que o viado nem deixou bilhete nem nada, quando ela voltou do mercado o carro tava batido, no estacionamento. Canalha.

– Filho da mãe…

– Hein? Canalha mesmo, né? Se eu pego o viado.

– É, se você pega…

– Mas então, o que você queria falar sério comigo?

Por alguns segundos que pareceram três semanas, Marcus pensou em contar a verdade, em não contar, em sair correndo e até em fingir um ataque cardíaco. Mas, dada sua amizade com João, o companheirismo que João demonstrava indo a todos os jogos do Vasco com ele, ele tomou a decisão mais acertada:

– Comprei ingressos pra todos os jogos do Vascão no Carioca pra nós dois! Pra cima deles, Vascãããão!

E os dois se abraçaram e começaram a cantar músicas sobre o Vasco. Ele decidira que era melhor que João vivesse na ignorância do que lhe contar a verdade, perder o amigo, ver o amigo perder a mulher, e o pior: a história seria longa e ele tinha marcado com Rochelle no Motel dali a vinte minutos. First things first.

EOH

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