Acho que viver é um sonho que sonha acordada

Hoje, enquanto caminhava para o trabalho, olhei para o reflexo do sol entre as árvores e achei uma beleza ímpar no contraste do verde das folhas com o lilás do Ypê e o amarelo da Sibipiruna vizinha. “Clique”, registrei na minha memória fotográfica e dei um sorrisinho. Quantas coisas para agradecer! – Pensei.

Lembrei-me do meu filho sentadinho na cadeira, mal alcançando a mesa, tomando seu leite e falando, conformado e abrigado pelo carinho da vó  “tchau, mãe, te amo”. Da minha filha entrando na escola com o casaco amarrado na cintura e um rabo de cavalo alto, acenando para mim do corredor, como faz todos os dias enquanto a observo pelas grades do portão até que ela suma de vista, mesmo que isso me roube uns minutos, mesmo que eu perca o ônibus…

Pensei na minha mãe sentada na cozinha, esperando eu passar pela janela, já com uma xícara na mesa para eu tomar aquele cafezinho rápido enquanto falamos rapidamente sobre todos os assuntos que durariam um dia, quem sabe semanas, ou nunca teriam fim. Às vezes consigo ficar um pouco mais… As horas passam rápido quando estou com ela, falamos sobre tantas coisas… “Quantas coisas para agradecer…” – Eu sei…

Mas me senti subitamente cansada. Oras! Quem eu estava tentando enganar? Talvez não fosse tão subitamente assim. Mas hoje, pontualmente, foi como se as forças me faltassem. Você já se sentiu assim? Tão cansado (a) de um tudo que não tinha coragem para absolutamente nada?

Fiz o que faço todos os dias. Entrei no piloto automático. Cumpri a rotina que já nem sei mais como cumpro, anotei mentalmente os compromissos do dia e tive uma preguiça muito grande ao pensar em tudo o que tinha que fazer. Talvez preguiça não seja a palavra mais adequada. Estou esgotada… Não sempre, mas hoje… Hoje eu me encolheria num cantinho, em silêncio profundo, fecharia os olhos e ficaria ali, esperando, esperando, esperando… Não sei bem o que.

Meditei… Levei meus pensamentos para longe, me transportei para uma realidade diferente. Acho que é para isso que servem os sonhos que se sonha acordado. Se você não tem esse hábito, eu recomendo. Meditar, sonhar acordado, chame como quiser, mas fuja de onde estiver por um momento e voe longe. Vá ao encontro de alguém ou alguma coisa, crie uma cena, um momento, uma vida, ou apenas caminhe pela praia… Mas vá. Isso é tão bom quando a gente se encontra no meio do caos.

Cansaço. Caos. Peças de um quebra-cabeça que não era mais meu. Tantas coisas para mudar… “Está tudo bem, tudo sempre vai bem, não existe problema”, li num livro. “Cuide mais de você”, ouvi por aí. “Agradeça e coisas boas acontecem”, vi numa imagem no Facebook. Mas por um breve momento, tudo permanecia caos em mim e fiquei fraca.

Por um breve momento… Então esfreguei os olhos, refiz o rabo de cavalo e viajei nas memórias dessa manhã melancólica dentro de mim. “Tantas coisas para agradecer…” Muitas, mesmo. Sei que sou a pessoa cansada, esgotada e caótica mais sortuda do mundo.

Mas às vezes… Por esse tal breve momento gosto de me olhar no espelho e assumir para mim que não sou super. Que estou cansada. Não passo maquiagem, não uso adorno nenhum que disfarce esses dias onde enquanto sigo no piloto automático, vou rearranjando os espaços dentro de mim.

Então agradeço. Por um tudo, mas sobretudo, pelo sonho que se sonha acordado, pela realidade onde me encontro e por ter a sorte de realizar com quem vai ao meu lado os sonhos que vivo, porque são vivos… E isso é o que me move, isso é o que me realiza. A sorte grande que tenho na vida de sonhar… acordada… E me beliscar. Não! Não estava sonhando. Estava vivendo…

Mas viver esgota. Realizar sonhos implica em andar, vez por outra ou muitas vezes, em meio ao caos. Nesses dias a gente senta e mira a paisagem da própria vida, assiste tudo em câmera lenta, reprisa as memórias da manhã, cria novos sonhos e entende que é preciso se mexer para poder viver.

Não quis uma vida medíocre, de poucas emoções. Porque eu desejei ter uma vida… E mergulhei no caos do meu desejo. Mas vivo… realizo os sonhos acordada e embora esgotada,sigo caminhando, às vezes no piloto automático, às vezes em alta velocidade, outras vezes empurrando, mas sigo. Com sorte e gratidão, sonhando ou não, sanando e ferindo o coração, sigo…

Às vezes fico cansada, ah, como fico! Porque viver, esgota, sabe… Mas se você não viver… Como vai saber? Eu não quero viver na ignorância de passar pela vida. Por isso acho que vou dormir um pouco agora. Descansar… Porque não sou das que param, nem das que se iludem sonhando acordada, sem fazer o sonho acontecer. Se vou realizar, não sei. Mas estagnada também não sei ficar.

Luciana Marques

 

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